Leia algumas
informações sobre Fernando Sabino e o texto A última crônica. Depois copie e
responda às questões.
Fernando Tavares Sabino
Belo
Horizonte (MG), 12/10/1923 – Rio de Janeiro (RJ), 11/10/2004
Cronista,
romancista, contista, editor e documentarista. Aos 13 anos, publicou seu
primeiro trabalho literário, na revista Argus, órgão da Polícia Mili tar
mineira. Conviveu, na adolescência, com o contista Otto Lara Resende
(1922-1992) e com o psicanalista Hélio Pellegrino (1924-1988), de quem foi
amigo desde o jardim de infância. Em 1941 entrou na faculdade de direito e
estreou em livro com Os grilos não cantam mais, uma reunião de contos. Mudou-se
para o Rio de Janeiro em 1944 e concluiu o curso de graduação. Iniciou a
redação do romance O grande mentecapto em 1946, retomado apenas trinta e três
anos depois. Em 1947, começou a publicar crônicas no Diário Carioca e em O
Jornal, reproduzidas em vários outros periódicos espalhados pelo Brasil,
consolidando seu nome como um dos renovadores do gênero. Escreveu, ainda nesse
ano, o romance Os movimentos simulados, publicado postumamente em 2004. Lançou,
no ano de 1956, o romance O encontro marcado, que fixa seu nome também na prosa
de ficção. Entrou para o ramo editorial, no início da década de 1960, quando
fundou com o amigo Rubem Braga a Editora do Autor e posteriormente, em 1966, a
Editora Sabiá, ambas importantes para o lançamento de obras de autores
brasileiros. A partir de 1971 realizou
uma série de documentários cinematográficos. Como jornalista, cobriu diversas
eleições presidenciais e fez várias entrevistas com escritores e artistas
brasileiros e estrangeiros.
Enciclopédia
Itaú Cultural. Disponível em <www.itaucultural.org.br/literatura>. Para
saber mais sobre o autor acesse <www.fernandosabino.com.br>.
O
texto que nós vamos ler é intitulado “A última crônica”. Sobre isso, responda:
1.
Esse título chama a atenção do leitor? Por quê?
2.
O que ele sugere?
3.
Pelo título dá para imaginar o assunto da crônica?
4.
Que situação vocês acham que essa crônica vai retratar?
Agora
leia o texto.
A última crônica
Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da
Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento
de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar
com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de
cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso
conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida.
Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer
num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente
doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais
nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se
repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e
estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os
assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos
acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de
espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras,
deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na
cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal
ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao
redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição
tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para
algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de
contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom,
inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a
redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se
aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e
depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom
encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo
com a mão, larga-o no pratinho – um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma
pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa,
olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por
que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à
mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante,
retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha
aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de
mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que
a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a
Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a
menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio,
a que os pais se juntam, discretos: “Parabéns pra você, parabéns pra você...”.
Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra
finalmente o bolo com as duas mãos
sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura
– ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao
colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer
intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos
olhos se encontram, ele se perturba, constrangido – vacila, ameaça abaixar a
cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica:
que fosse pura como esse sorriso.
In: Elenco de cronistas modernos. 21ª- ed.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.
5. O
que acharam da crônica?
6. Alguém
já viveu uma situação como a descrita na crônica? Ou conhece outra pessoa que
vivenciou algo parecido?
7. Quem
já comemorou um aniversário de forma diferente do tradicional bolo com
velinhas? Como foi?
8. Há
algo que ficou difícil de entender?
Fonte: https://www.escrevendoofuturo.org.br/arquivos/8147/caderno-cronica.pdf.
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